Em 1988, a princesa Isabel assinou a Lei Áurea, abolindo oficialmente a escravidão no Brasil. A realidade, no entanto se mostrou bem diferente e hoje, 122 anos depois, os negros ainda lutam por igualdade.
Contam os livros de história, que em 13 de maio de 1888 a princesa Isabel determinou o fim da escravidão no país. É pena que a maioria dos livros não registrem também como os negros e negras lutaram para conquistar esta liberdade, que não falem das revoltas escravas que eclodiam em todo o país apesar da repressão violenta dos senhores de escravos. Não citam a Revolta dos Malês, a resistência do Quilombo dos Palmares e a coragem de milhares de escravos que tocavam fogo nas plantações e fugiam para os quilombos em todo o Brasil.
É exatamente por entender que a história da instituição da Lei Áurea não foi bem contada, que desde a década de 1970, o movimento negro vem construindo o dia 20 de novembro como uma data de afirmação para o povo negro. “O 20 de novembro simboliza a luta efetiva do negro como protagonista da história e não como objeto como querem fazer do 13 de maio. O 13 de maio foi celebrado pela história oficial como se fosse uma concessão da princesa, destituído de luta real. Além do mais, o 13 de maio é analisado pelo movimento negro como uma vitória de uma etapa da luta, mas não é a consagração da liberdade, porque não há liberdade sem emancipação econômica plena, sem inserção social e política, sem acesso aos bens culturais e econômicos, sem usufruir do fruto do trabalho que é a riqueza gerada pela nação”, é o que ressalta a vereadora Olívia Santana (PCdoB), militante histórica do movimento negro baiano.
O movimento negro não nega a importância do 13 de maio, o que se defende é o reconhecimento do protagonismo dos negros escravos e libertos na série de eventos que resultou na assinatura da Lei Áurea. Segundo o historiador Augusto Buonicore, "o 13 de maio foi o resultado de uma vitoriosa aliança do movimento abolicionista urbano e a luta insurrecional dos escravos rurais. A junção dessas duas grandes correntes, que pelejavam pela libertação, ampliou e radicalizou o movimento pelo fim imediato da escravidão e precipitou os acontecimentos, que estavam sendo retardados pela intransigência dos setores escravistas e pela vacilação dos emancipacionistas (abolicionistas reformistas). A força desse movimento abalou o próprio aparelho de Estado monárquico-escravista. Vários oficiais do exército passaram recusar a perseguir escravos fugitivos e juízes começaram a dar sentenças favoráveis aos abolicionistas", escreve no artigo "13 de Maio: um dia para se comemorar?".
Buonicore ressalta também a importância no movimento da jovem classe operária brasileira, como ferroviários e cocheiros. “Os abolicionistas libertavam escravos e apoiavam as fugas individuais e coletivas, montando toda uma infra-estrutura para garantir a chegada dos libertos a lugares seguros”, enfatiza.
Para Olívia, na verdade a história disseminou a idéia de que o 13 de maio nos igualou, o que não é verdade. “O 13 de maio determinou o fim da escravidão formal, mas ainda hoje temos práticas análogas á escravidão, que atingem principalmente os pobres de maioria negra. Para garantir a igualdade de verdade ainda é preciso muita coisa, principalmente a superação do racismo. Acabou a escravidão, mas não o racismo, que ainda é um grilhão invisível, que tem acorrentado uma parcela significativa da população brasileira: os negros. Nós não temos mais as bolas de ferro, mas temos sim a corrente simbólica do racismo nos prendendo e operando nas relações sociais”, afirma.
Igualdade de oportunidades
A comunista acredita que o primeiro passo para a sonhada igualdade é acabar com o racismo no mercado de trabalho. “É preciso superar o racismo no mercado de trabalho, garantir igualdade salarial entre negros e brancos, permitir que os negros tenham acesso a empregos de qualidade, à mobilidade e ascensão no mercado de trabalho. Precisamos garantir a presença de negros nos espaços acadêmicos e de produção de ciência. Precisamos garantir negros nos espaços de decisão, elegendo negros deputados, senadores, governadores. No dia em que este país tiver bancadas de deputados federais e senadores e governadores negros, ai sim agente vai ter de fato um sintoma de que o racismo está sendo superado. Mas, ainda não temos isto”, lamentou.
Olívia defende também a adoção de políticas afirmativas para superação da desigualdade. “Nós temos 122 anos de políticas universais, que são necessárias, mas não são suficientes. Temos que enfrentar o racismo de maneira específica. Precisamos de políticas que consigam impedir que uma parte da população não tenha oportunidades iguais. Precisamos de políticas afirmativas na educação, no mercado de trabalho e no serviço público. Isto não é concessão, é um direito dos negros brasileiros, que historicamente tiveram seus direitos negados”.
Militante convicta da luta por igualdade, a vereadora aponta também avanços importantes nestes 122 anos de abolição formal da escravidão. “Uma coisa que considero muito importante é a conscientização de uma parcela da sociedade, que está além do movimento negro, de que há racismo no Brasil. Ainda é uma parcela pequena, mas já é um grande avanço. Temos que comemorar também o fortalecimento das políticas afirmativas no Brasil. Hoje temos 90 universidades com políticas de cotas, com recorte racial. Conseguimos celebrar o 20 de novembro no país inteiro. Conseguimos colocar Zumbi dos Palmares no livro dos heróis brasileiros e consagrar João Cândido, o almirante negro, como referência nacional. Nós conseguimos também aprovar a lei que promove o ensino da história africana e afro-brasileira nas escolas públicas de todo o Brasil. Estas são grandes vitórias. Nós temos uma longa estrada pela frente, mas também temos muito que comemorar”, concluiu.
De Salvador,
Eliane Costa
FONTE: http://www.vermelho.org.br/
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