segunda-feira, 6 de setembro de 2010

Ex- menina de rua em SP estuda medicina em Cuba

Depoimento:(carta) de >>>>>>Gisele Antunes

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Só mais uma brasileira

Saí de casa com 9 anos de idade porque minha mãe espancava eu e meu irmão. Não tínhamos comida, o básico para sobreviver. Meu pai nunca foi presente. É um alcoólatra que só vi duas vezes na vida. Minha mãe é uma mulher honesta, mas que não conseguia educar seus filhos. Já foi constatado que ela tem problemas mentais.

Ela trabalhava como cigana na Praça da República. Quando eu fugi de casa segui esse caminho, e encontrei uma grande quantidade de meninos e meninas de rua. Apresentei-me a um deles, este me ensinou como chegar em um albergue para jovens, e a partir desse momento passei a ser menina de rua. Só comparecia nessa instituição para comer, tomar banho e ter um pouco de infância (brincar). No meu quinto dia na rua, comecei a cheirar cola e depois maconha.

Alguns educadores preocupados com a minha situação tentavam me orientar, mas de nada valia. Foi quando me apresentaram a uma religiosa, a irmã Ana Maria, que me encaminhou para um abrigo, o Sol e Vida. Passei uns três anos lá e deixei de usar dogras. Esta instituição não era financiada pelo governo. Quando foi fechada, me encaminharam a outros abrigos da prefeitura, entre eles o Instituto Dom Bosco, do Bom Retiro. E assim foi, até os 17 anos.

Para alguém que usa droga, não era fácil seguir regras. Foi por muita persistência e um ótimo trabalho de vários educadores que eu consegui deixar a drogas, sair da desnutrição e recuperar a saúde após anemia grave.

Na infância, era rebelde, não queria aceitar a minha situação. Apenas queria ter uma família. Mas havia algo que eu valorizava _ a escola e os cursos que eu fazia na adolescência. Aos 14 anos de idade, comecei a jogar futebol, tive a minha primeira remuneração. Aos 16 anos, entrei em uma empresa, a Ericsson, que capacitava jovens dos abrigos para o mercado de trabalho. Essa empresa financiou meu curso de auxiliar de enfermagem e o inicio do técnico. O último não foi possível concluir.

Explico: existe uma lei nas instituições públicas segunda a qual o jovem a partir dos 17 anos e 11 meses não é mais sustentado pelo governo, tem que se manter sozinho. Como eu não tinha contato com a minha família, quando se aproximou a data de completar essa idade, entrei em desespero.

A sorte foi que a entidade, o Instituto Dom Bosco Bom Retiro, criou um projeto denominado Aquece Horizonte. Este projeto é uma república para jovens que, ao sair do abrigo, podem ficar lá até os 21 anos. Os coordenadores e patrocinadores acompanham o desenvolvimento do jovem neste período de amadurecimento.

As regras mais básicas da república são: trabalhar, estudar e querer vencer na vida. No segundo ano de república, eu desejava entrar na universidade, mas sabia que não tinha condições de pagar a faculdade de enfermagem ou conseguir passar na universidade pública.

Optei então por fazer a faculdade de pedagogia. É uma área que me encanta, e a única que podia pagar. No primeiro semestre da faculdade de pedagogia, um educador do abrigo, o Ivandro, me chamou pra uma conversa e me informou sobre um processo seletivo para estudar medicina em Cuba. Fiquei contente e aceitei participar da seleção.

Passei pelo processo seletivo no consulado cubano e estou desde 2007 em Cuba. Dou inicio ao terceiro ano de medicina no dia 06 de setembro de 2010. São 7 anos no país, sendo 6 de medicina e um de pré-médico.

Ir a Cuba foi minha maior conquista. Além de aprender sobre a medicina, aprendo sobre a vida, a importância dos valores. Antes de ir, sempre lia reportagens negativas sobre o país, mas quando cheguei lá, não foi isso que vi. Em Cuba, todos têm direito a educação, saúde, cultura, lazer e o básico pra sobreviver.

Li em muitas revistas que o Fidel Castro é um ditador, e descobri em Cuba, que ele é amado e idolatrado pelos cubanos. Escrevem que Cuba é o país da miséria. Mas de que tipo de miséria eles falam? Interpreto como miséria o que passei na infância. Em casa, não tinha água encanada, luz, comida.

Recordo que tinha dias em que eu, meu irmão e minha mãe não conseguíamos nos levantar da cama devido a fraqueza por falta de alimento. Tomávamos água doce pra esquecer a fome. Então, quando abro uma revista publicada no Brasil e nela está escrito que Cuba é um país miserável, eu me pergunto: se em Cuba, onde todos têm os direitos a saúde, educação, moradia, lazer e alimento, como podemos denominar o Brasil?

Temos um país com riqueza imensa, que conquistou o 8º lugar no ranking dos países mais ricos, mas sua riqueza se concentra nas mãos de poucos, com uns 60 % da população vivendo em uma miséria verdadeira, pior que a miséria da minha infância.

Cuba sofre um embargo econômico imposto pelos Estados Unidos por ser um país socialista e é criticado por outros governos. No entanto, consegue dar bolsa para mais de 15 mil estrangeiros de vários países, se destaca na área da saúde (gratuita), educação (colegial, médio, técnico e superior gratuito para todos) e esporte (2º lugar no quadro de medalhas, na historia dos Jogos Panamericanos), é livre de analfabetismo.

A cada mil nascidos vivos morrem menos de 4. Vivenciando tudo isso, eu queria também que o Brasil fosse miserável como Cuba, como é escrito em varias revistas. Acho que o brasileiro estaria melhor e não seria tão comum encontrar tantos jovens sem educação, matando, roubando e se drogando nas ruas.

Vou passar mais quatro anos em Cuba e não quero deixar o curso por nada. Desejo concluir a faculdade e ajudar esse povo carente que sonha com melhoras na área da saúde, quero ajudar outros jovens a realizar os seus sonhos , como me ajudaram. Também pretendo apoiar meu irmão, que deseja estudar direito.

Tenho meu irmão como exemplo de superação. Saiu de casa com 13 anos de idade, mas não foi para uma instituição governamental. Morou em um cômodo que seu patrão lhe ofereceu. Enquanto eu estudava e fazia cursos, ele estava trabalhando para ter o pão de cada dia. Hoje, ele é um homem com 25 anos de idade, casado e tem uma filha linda, e mesmo assim encontra tempo pra me apoiar e me dar conselhos.

Foi muito bom visitar o Brasil. Depois de longos 13 anos tive um tipo de comunicação com a minha mãe. Isso pra mim é uma vitoria. Quero estar próxima dela quando voltar.

Conto um pouco da minha história, mas sei que muitos brasileiros ultrapassaram barreiras piores, até realizarem seus sonhos. Peço ao povo brasileiro que continue lutando. É período de eleições, peço também que todos votem com consciência, escolha a pessoa adequada pra administrar o nosso país tão injusto.

Gisele Antunes Rodrigues

"Ser culto é o único modo de ser livre" (José Martí)

Fonte:http://wwwcarbonario.blogspot.com/

Rogério Ceni: 20 anos defendendo o São Paulo F. C.


ENTREVISTA DE ROGÉRIO CENI AO LANCENET
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LANCENET!: Você completará 20 anos de clube. O que lembra de 7 de setembro de 1990?
Rogério Ceni:Após perder dois treinos, um por cancelamento e outro porque me perdi na cidade, em 7 de setembro fui fazer testes, mas não imaginava que iria entrar. Era coletivo do profissional, e eu chegando para teste. Zetti em um gol e Gilmar no outro. Eu e Marcos Bonequini fora.

LNET!: Qual o maior impacto que sentiu ao chegar em São Paulo?
RC:Foi quando passei ao lado do estádio. Não acreditava que existia um desse tamanho. O Morumbi era imenso, uma coisa que eu dizia: “Nossa Senhora”. Aquilo era impressionante. Hoje, para mim, passo lá todo dia e parece que diminuiu, ficou de um tamanho normal (risos). Ou nós que crescemos.

LNET!: Quando deixou Sinop, pensava que faria história pelo Sampa?
RC: Em princípio, meu teste seria no Bragantino. Depois, no Santos. Antes de viajar, o diretor do Sinop conseguiu falar com José Acras, conselheiro do São Paulo, e me conseguiu um teste. Antes de sair, deram o telefone de José Acras. Chegamos, ligamos e marcamos o teste.

LNET!: Onde você morou no começo?
RC: No Morumbi, de 1990 a maio de 1994. Eles me pressionaram para desocupar o quarto para os juniores, estava no profissional há dois anos. Não queria mudar porque a Sandra (esposa) morava no Morumbi (bairro), ficava longe e Telê Santana exigia que às 23h, 23h30, tinha de estar no CT. Era ruim atravessar a cidade após o treino, cansado. Juntei dinheiro e mudei.

LNET!: No Morumbi, quem foram seus companheiros de quarto?
RC: Tive mais de um, porque fiquei três anos e pouco. Eram 12 quartos, mais ou menos, para dois. Pérsio foi quem mais tempo ficou comigo, mas nem subiu para o profissional. Hoje, sei que está no interior.

LNET!: Como era Telê Santana?
RC: Tinha dias em que ele começava a contar histórias, era mais extrovertido. Normalmente, quando você estava mais sozinho. Quando era um grupo maior, era reservado. No treino era sério, cobrava, mas gostava de mim. Falava: “Vocês têm de bater na bola igual a esse menino.” Ele gostava que deitasse o corpo. Os caras chutavam de qualquer jeito, e ele dizia: “Mostra como é que é.” Eu ficava sem jeito, porque mandava mostrar. Não nas que cobrava, mas quando estava no gol. Ele falava: “Olha como chega rápido na bola.”

LNET!: Como conquistou a vaga no banco no Mundial de 1993?
RC: Em 1993, Marcos Bonequini queria jogar, mas o Zetti estava superbem, não tinha como. Então, ele foi para o Novorizontino. Porque o São Paulo contratou Gilberto e ele seria terceiro goleiro. Mas Gilberto não foi bem e fiquei como segundo. Marcos voltou e Jair (então treinador de goleiros) queria que ele viajasse. Mas Telê disse que não, que queria que fosse eu. Dali em diante, nunca mais saí. Ou jogava quando Zetti ia para a Seleção, ou ficava no banco.

LNET!: Quase foi para o Goiás em 96...
RC: Já estava há quatro anos na reserva e meu contrato acabava em dezembro. Eles me ligaram para saber se queria jogar o Brasileirão. E foi um ano em que o Goiás fez um grande time. Pagariam três vezes mais do que ganhava. Falei com (o ex-presidente) Fernando Casal de Rey, expliquei que não queria ficar enchendo o saco para jogar. Ele disse que Zetti estava com 31 anos, tinha 70 e tantos por cento do passe, e que achava que era o último ano dele, pois iam dar o passe de presente por serviços prestados. Renovamos por dois anos, me aumentaram um pouco o salário e apostei. De fato, em dezembro, deram o passe, Zetti foi para o Santos e virei titular.

LNET!: Em 2001, após ser afastado, você cogitou defender o Cruzeiro?
RC: Aquela vez, por causa da briga, estava tudo praticamente certo. André iria para o São Paulo na troca, eles dariam um dinheiro, só que os clubes tinham bom relacionamento, o presidente (Paulo Amaral) disse para não negociar e eles voltaram atrás. Não era meu desejo sair, na verdade queria ficar, mas ficou uma situação desagradável. Na época foi algo terrível para mim.

LNET!: Agora, seu contrato vai até o fim de 2012. Pensa em estendê-lo?
RC: Acho que é possível, mas não consigo vislumbrar isso hoje. Quando chegar mais próximo do fim, daí, sim, vou conseguir responder se será encerrado o contrato em 2012 ou se vamos continuar. Não consigo ter isso fixo na minha cabeça.

LNET!: Se parar, o que vai fazer?
RC: Ainda não sei, no nosso país não dá para pensar dois anos para a frente. Acredito que algo ligado ao esporte, à minha profissão, pela experiência que adquiri nesses 20 anos e mais os que virão até o término do contrato. Algo ligado a isso.

LNET!: Qual foi o dia mais especial?
RC: Muitos. O dia em que fui aprovado, quando subi definitivamente para o profissional, infelizmente, foi com a morte do Alexandre, mas foi um dia especial. Mas tem o primeiro título paulista, em 1998, o gol na final em 2000, o Mundial e a Libertadores que nós ganhamos em 2005, o tricampeonato brasileiro. Cada dia conta-se uma história. Meu primeiro jogo como titular no profissional, a estreia na Espanha. Falar um é difícil, mas o principal talvez seja 8 de setembro de 1990, quando soube que passei no teste. Foi o mais feliz e deu continuidade para que todos acontecessem.

LNET!: Após 20 anos, o que representa o Tricolor para Rogério Ceni?
RC: Tenho como a extensão da minha vida. É, no mínimo, 50% do que a vida significa para mim. Não é indiferente ganhar e perder só pelo resultado, é pela instituição. Defendo como se fosse meu. Jogo, vejo o dia a dia, as mudanças, e sinto como se fosse a minha empresa. Não é, lógico que não, mas me apego de uma maneira que vejo as coisas como um torcedor, um atleta ou na posição do dirigente. Muitas vezes o cara é cobrado, mas fez o correto, só não deu certo. Em outras, você vê que o atleta podia se dedicar mais. Assim como vê que o torcedor podia estar mais presente. Vejo todos os modos como isso funciona.

LNET!: O seu interesse pelo clube é diferente de qualquer outro...
RC: Tenho um interesse muito grande, e não é interesse político. Não quero o lugar de ninguém fora das quatro linhas. Quando acabar, vou continuar tendo sempre admiração e carinho enorme pelo clube, porque minha história está aqui. Até hoje, com 37 anos, tento entrar no CT todo dia e fazer o meu melhor, me dedicar ao máximo. Cuido como se fosse meu. Vejo coisas às vezes acontecerem, desde não apagar a luz até a comida que é jogada fora, que cuido como se fosse meu. Porque é um costume, é mania, é como se fosse minha casa. É a minha casa. Passo muitos dias do ano aqui, não é o lado do torcedor apaixonado, mas de dar valor àquilo que você tem e oferece conforto para você.

LNET!: Como vê o São Paulo hoje?
RC: É um momento bem mais difícil do que nos últimos anos. Chegamos a uma semifinal de Libertadores e não conseguimos a vaga do Mundial e nem a conquista. Isso causa um abalo psicológico momentâneo, que faz com que você não atinja seus objetivos, não tenha força e concentração para os resultados no Brasileiro. É um ano diferente, estamos longe dos líderes, com pouca possibilidade de alcançá-los. Temos de fazer tudo para sair dessa situação incômoda, subir ao máximo, e o objetivo tem de ser viver o próximo jogo. Para que, neste campeonato, possamos vislumbrar a vaga na Libertadores. Assim, em 2011, vamos poder buscar o que perdemos em 2010.

LNET!: Por que, chorando, você lamentou a eliminação na Liberta?
RC: Eu achava que era muito possível chegar e, pela posição no Brasileiro, poderia ser a última chance de ser campeão do mundo. Ainda tenho na cabeça buscar outra Libertadores e, depois, disputar o Mundial. Este ano não foi possível e, no Brasileiro, não estamos em uma posição que possamos dizer que vamos jogar a Libertadores do ano que vem. Então, fiquei triste. Gostaria de ter, foi a mais próxima dos últimos anos depois da de 2006 (perdeu a final para o Internacional), era vencer a semifinal e estaríamos no Mundial. É uma série de coisas que passam, você lembra das dificuldades, então foi muito triste. Todos deram a vida naquele jogo, mas não foi ali que perdemos, mas no Beira-Rio. Apesar do resultado aceitável, não conseguimos fazer o que precisava. Chegamos próximos, então, quando isso acontece, a alegria de chegar, como foi a do Internacional, é grande, mas a tristeza também é muito mais profunda para quem é derrotado.

Fonte:http://msn.lancenet.com.br