segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo, spray de pimenta...

42 anos depois um novo AI-5, contra os pobres

Em pleno aniversário de 42 anos do Ato Institucional Nº 5, que a direita baixou em 13 de dezembro de 1968 para radicalizar de vez sua ditadura empresarial-militar (1964-85), o Rio de Janeiro do governador Sérgio Cabral, aquele que virou "herói" do oligopólio da mídia por mandar a polícia e até o Exército massacrar as favelas, teve mais uma prova de que, em suas fronteiras, foi instituído um outro AI-5. Mais de uma centena de sem teto, entre homens, mulheres - várias delas grávidas - e crianças, além de um grupo de militantes pelo direito a trabalho e moradia e um vereador presentes foram escorraçados na segunda-feira (13) pelo Choque da PM de um prédio do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) abandonado há 20 anos no centro do Rio, a base de pancadas de cassetetes, bombas de efeito moral, gás lacrimogêneo e sprays de pimenta. Tudo isso sem que os "proprietários", o Ministério da Previdência, ou seja, a União - em última análise o povo brasileiro, - em resumo sem que de um destes tenha saído sequer um pedido de reintegração de posse.

O saldo da truculência liderada pelo capitão Thiago, do Batalhão de Choque - quem com prepotência desembarcou na Praça da Cruz Vermelha aos berros de "vou liberar o prédio agora" e "tirem as mãos da minha viatura" - registra uma dezena de feridos - entre eles - um estudante com perfurações na perna e no queixo depois de ser atingido por estilhaços de uma bala de borracha - e sete ativistas detidos até as 4 horas da madrugada na sede estadual da Polícia Federal, na Praça Mauá - todos irão responder a "processos" por "lesão corporal", alguns até por "sequestro" e desacato a autoridade. Alguns foram liberados sob fiança e ainda podem ser obrigados a indenizar policiais. O governo do Rio de Janeiro já não faz questão de esconder que seu projeto de "revitalização do centro" tem o principal foco na expulsão de cariocas sem teto que vivem em diversas ocupações espalhadas pela região.

Mas qual seria o objetivo de toda essa operação de "limpeza" étnica e criminalização da pobreza? Respondemos. Preparar o que Sérgio Cabral e seu assessor, o prefeito do Rio Eduardo Paes (o mesmo que anos antes de se candidatar disse não ver grandes problemas no controle de favelas por milícias de policiais) chamam de Corredor Olímpico, o entorno das sedes dos Jogos Rio 2016 e do principal palco da Copa do Mundo de 2014, o Maracanã, para a chegada de autoridades e atletas que estarão na cidade durante os megaeventos. Para Cabral e Paes, o Rio nunca foi, não é e, sobretudo agora, jamais o será de sua população, mas na verdade um cartão postal a ser maquiado e "revitalizado" através de "choques de ordem" e do Estado policial estruturado pelo secretário de Segurança, Mariano Beltrame e o ministro da Defesa, Nelson Jobim. Não pode haver "obstáculos" para que a cidade - na verdade os empresários da cidade - aproveite essa grande oportunidade para faturar milhões de dólares. Os prédios abandonados do INSS no centro do Rio, em consequência do desmonte da estrutura do antigo Inamps - a assistência médica da Previdência vem sendo transferida ao SUS - tornaram-se autênticos latifúndios urbanos e, portanto, instrumentos táticos do movimento pela Reforma Urbana. Mas nem o governo federal, muito menos as instâncias executivas locais demonstram sensibilidade para aproveitar a oportunidade e desenvolver políticas sociais.

Protesto foi pacífico


A antiga agência do INSS, localizada na Rua Mem de Sá, 234, já havia sido ocupada por sem teto ativistas do MTD (Movimento dos Trabalhadores Desempregados) Pela Base, FIST (Frente Internacionalista dos Sem Teto) e Movimento Pela Moradia, sempre apoiados por Redes de Movimentos Pela Moradia, CMP (Central de Movimentos Populares) e Núcleo Estudantil de Apoio à Reforma Agrária em outras duas ocasiões nos últimos três anos. O resultado foi o mesmo em ambas as vezes. A Polícia Militar despejou brutalmente, em questão de dias - na segunda-feira foi questão de horas - os sem teto, com apoio da PF. Depois da remoção de 2009, bastante noticiada por causa da já demonstrada crueldade do capitão Thiago e seu Batalhão de Choque, o "proprietário" do latifúndio urbano - apuramos que o prédio está perto de ser recuperado pela União como execução de dívidas - mandou reforçar o trancamento dos acessos. Os ativistas lutam para construir ali o que será a Ocupação Guerreiro Urbano e realizavam protesto pacífico em defesa do legítimo direito de morar, sob o lema "Ocupar, resistir, construir e produzir". Aí o Choque entrou em ação.

Estávamos nas primeiras horas do dia 13, que seria marcado por manifestações da esquerda em memória das vítimas do regime de 1964, quando dezenas de famílias de sem teto, juntamente com militantes na Guerreiro Urbano, ocuparam o nº 234 da Rua Mem de Sá, nas cercanias da Praça da Cruz Vermelha, que até 1990 era uma agência do INSS. Com megafone e um carro de som cedido pelo Sindipetro-RJ, o apoio político cercou a entrada do prédio durante toda a manhã, enquanto divulgava para os transeuntes os objetivos da ação política. Acionada pelo vigia da noite, policiais militares não demoraram a chegar. Uma viatura foi estacionada junto à porta e deixada com o motor ligado todo o tempo, obrigando os ativistas que ali estavam, entre a P2 e o edifício, a suportarem forte calor e respirarem o monóxido de carbono da descarga. Um mutirão garantia o envio de alimentos e água - cortada após a ocupação - às famílias sem teto. Enquanto a PM aguardava "ordens" e reforço, lideranças dos movimentos Pela Moradia e MTD Pela Base, defensores públicos do Núcleo de Terras e Habitação, bases de mandatos parlamentares do PSOL, o vereador Reimont Santa Bárbara (PT) e sindicalistas tentavam fazer contato com o Ministério da Previdência. Foi constatado que não haveria pedido de reintegração de posse, já que o imóvel está em litígio.

"Estamos vivendo no Brasil uma situação fantasiosa, com projetos cosméticos para dizer que o governo faz política de habitação, como o 'Minha Casa, minha vida'. Mas no centro do Rio, onde sobram prédios públicos, sobretudo federais, ociosos há décadas, não se vê nenhuma iniciativa, nem para alojar moradores de rua nem para garantir sustentabilidade a quem já ocupou imóveis", protesta Hertz Leal, integrante do Pela Moradia. Tudo o que eles querem no Rio, segundo Leal, "é entregar esses prédios vazios, sem função social, à especulação imobiliária. Megaprojetos de habitação popular são custosos, mas até por isso abrem espaço a grandes obras e gastos com propaganda, trazendo dividendos políticos e ganhos para alguns", analisa. Apuramos que, segundo o Código Civil, todo imóvel tem que ter função social. Do contrário, torna-se passível de Reforma Urbana ou Agrária.

No final da manhã, chegou a tropa do Batalhão de Choque, com soldados usando coletes à prova de balas e fortemente armados. O comandante da tropa já desceu da viatura gritando que "ia liberar (o prédio) e pronto". Militantes, sem teto e até políticos e defensores públicos que isolavam a porta foram agredidos com cassetetes e sprays de pimenta contra os rostos. Quem se aproximava do local era rechaçado a base de gás lacrimogêneo e tiros com balas de borracha. O estudante Arthur Henrique tentou ajudar companheiros e recebeu estilhaços de uma bala de borracha atirada contra o solo. Depois de dar entrada no Instituto Nacional do Câncer com perfurações no queixo e na perna esquerda, foi liberado após sutura e aplicação de curativos. Isolado o acesso ao prédio, a PM passou a intimidar os trabalhadores sem teto e chegou a atirar bombas de gás lacrimogêneo, obrigando-os a deixarem as dependências. Mesmo após negociações, os desabrigados foram agredidos e atingidos por novas balas de borracha, antes de finalmente se dispersarem. Voltaram, infelizmente, à sua dura rotina cotidiana: sem casa, sem trabalho, sem comida. A desempregada Ana Cláudia, 35 anos, resumiu o horizonte do grupo: "Estou grávida de oito meses e tive que respirar esse gás (lacrimogêneo). Há vários idosos e crianças aqui. E agora, para onde a gente vai?"

Os movimentos fluminenses pela moradia anunciam que a luta, como bem definiram, continua. As famílias que os ativistas puderam reunir após as agressões policiais fizeram protesto em frente à sede regional do INSS, na Rua México. Ainda esta semana, sem teto, ativistas e outros apoios políticos devem preparar uma moção em desagravo aos detidos e processados e em protesto contra a truculência policial, o descaso com a problemática da moradia e a criminalização da pobreza que marcam a administração Sérgio Cabral.

Mais de quatro décadas após a fatídica noite em que, num requintado salão do Palácio Laranjeiras, por triste coincidência no mesmo Rio de Janeiro, os generais ditadores e seus asseclas civis desferiram um golpe quase fatal em nossa República, cariocas e fluminenses vivem um novo AI-5. Agora as armas estão apontadas para os pobres e a quem mais ousar desafiar o Estado semifascista que Cabral, Paes e Beltrame orgulhosamente alardeiam nas mídias do mundo inteiro.


Fotos de Lucas Duarte de Souza


Fonte: http://www.brasildefato.com.br/

domingo, 19 de dezembro de 2010

Santos - SP: o nosso Morro do Bumba


Sinto calafrios com a chuva contínua desta terça, quase verão, quando penso no Morro do Tetéu, na Caneleira (Santos). O Tetéu é o nosso potencial Morro do Bumba, relembrando a tragédia de Niterói, ocorrida no verão passado.

Uma encosta íngreme, em que uma favela serpenteando morro acima, desde a década de 90, ligou o Caminho São Jorge, no sopé, a várias comunidades conurbadas, no topo do maciço (Bela Vista, Pantanal de Cima, Vila César, Barreirinha, Vila Progresso, Balança Saia etc).

Obras executadas pelo ex-prefeito Beto Mansur, como a pavimentação da rua das Pedras (a direita na foto) e a construção da quadra de esportes (direita ao alto) induziram a ocupação a montante, no início desta década. O resultado foi desastroso, pois as ocupações se multiplicaram, sem qualquer critério técnico, e proliferaram as situações de risco.

Em setembro, a Prefeitura publicou 49 editais, notificando proprietários de moradias na área da rua das Pedras, para que desocupassem e/ou demolissem as moradias. A ação deveu-se às situações de risco, sem viabilidade de serem solucionadas com intervenções no local.

Contudo, até o momento, não se tem conhecimento de que o Município tenha oferecido qualquer alternativa habitacional às famílias de baixa renda, que permanecem por lá, penduradas pelo destino.

Fonte: http://olharpraiano.blogspot.com/

Há mais imóveis vazios do que famílias sem moradia...



Há mais imóveis vazios do que famílias sem moradia em São Paulo
Raquel Rolnik

O Jornal da Tarde publicou ontem uma interessante notícia sobre a relação entre o déficit habitacional e o número de imóveis vazios em São Paulo. A reportagem traz números atualizados do IBGE que só confirmam o que o instituto já apontava em 2000: que há mais casas vazias do que famílias sem moradia em São Paulo.

Por Tiago Dantas

O número de domicílios vagos na cidade de São Paulo seria suficiente para resolver o atual déficit de moradia. E ainda sobrariam casas. Existem, na capital, cerca de 290 mil imóveis que não são habitados, segundo dados preliminares do Censo 2010. Atualmente, 130 mil famílias não têm onde morar, de acordo com a Secretaria Municipal de Habitação – quem vive em habitações irregulares ou precárias, como favelas ou cortiços, não entra nessa conta.

Os recenseadores do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) encontraram 3.933.448 domicílios residenciais na capital, onde vivem 11.244.369 pessoas. “Foram contabilizadas 107 mil casas fechadas, que são aquelas em que alguém vive lá e não foi encontrado para responder ao questionário”, explicou a coordenadora técnica do Censo, Rosemary Utida. Já as 290 mil residências classificadas como vazias não têm moradores, diz Rosemary.

O Censo de 2000 já mostrava que a capital tinha mais casas vazias do que gente precisando de um lugar para morar, segundo a urbanista Raquel Rolnik, relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para o direito à moradia adequada e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo (FAU) da USP. “Em 2000, tínhamos cerca de 420 mil domicílios vagos para um déficit de 203 mil moradias. Era quase o dobro”, afirma Raquel.

O secretário municipal de Habitação, Ricardo Pereira Leite, discorda dessa conta. “Se desse para resolver o problema só distribuindo as casas para quem não tem onde morar, seríamos os primeiros a propor isso”, afirma. Segundo Leite, o número revelado pelo Censo diz respeito à vacância de equilíbrio, o tempo em que um imóvel fica vazio enquanto é negociado.

A relatora da ONU avalia que, mesmo que parte desses imóveis precisasse passar por reforma antes de ser destinado à moradia popular, seria possível, pelo menos, reduzir o número de famílias sem-teto. Um dos maiores entraves para a solução do problema, porém, é o preço do solo. “A moradia tem, como função principal, ser um ativo financeiro, e acaba não desempenhando sua função social”, diz a professora da FAU.

Segundo ela, o poder público poderia investir não só na construção de casa, mas em subsídio de aluguel. “Infelizmente temos uma inércia e uma continuidade muito grande nessa área. As políticas públicas não tiveram, ainda, força para provar que o pobre não precisa morar longe, onde não há cidade, aumentando os deslocamentos na cidade”, opina Raquel.

O direito de morar no centro da cidade, onde há maior oferta de trabalho e de transportes públicos, é uma das bandeiras da Frente de Luta por Moradia (FLM), que ocupou quatro prédios abandonados do centro com cerca de 2.080 famílias em 3 de outubro. Como a Justiça determinou a reintegração de posse de dois desses imóveis, parte dos sem-teto está vivendo na calçada da Câmara.

“Os imóveis vazios identificados pelo Censo resolveriam pelo menos 40% do nosso problema”, afirma Osmar Borges, coordenador-geral da FLM. Segundo ele, falta moradia para cerca de 800 mil famílias na cidade. “Falta uma política de habitação que contemple os domicílios vazios. O IPTU progressivo deveria ser usado para forçar o preço a cair”, diz. Borges afirmou que a FLM pretende se reunir hoje com a Superintendência de Habitação Popular da Prefeitura e amanhã com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU).

Fonte: http://elaineberti.blogspot.com/