sábado, 25 de setembro de 2010
O Brasil que eu não conheço
Por João Paulo da Silva
Estas eleições estão particularmente muito chatas. “Nunca antes na história desse país” a cara de um foi tão semelhante ao focinho do outro. Mesmo com nove candidatos disputando a Presidência da República, embora a grande imprensa não mostre todos, os que estão liderando as pesquisas não passam de trigêmeos da mesma política dos últimos vinte anos. Enquanto isso, os demais candidatos, principalmente os da esquerda, precisam se virar nos cinqüenta segundos que dispõem na TV para fazer a diferença. Isso porque entre o PT de Lula e Dilma e o PSDB de FHC e Serra, não há distinções quanto ao programa de governo. Eles mesmos admitem o fato ao defenderem um modelo econômico idêntico.
Pior do que isso talvez só Marina Silva, que sem constrangimento algum reivindica Lula e FHC ao mesmo tempo. Dessa forma, fica difícil acreditar em disputa. Em democracia, então, nem se fala. De todo modo, estou convencido de que o correto deveria ter sido a união de Dilma, Serra e Marina em torno de uma única candidatura. É claro que ainda assim não haveria qualquer mudança para o Brasil, até porque o projeto defendido pelos três já foi aplicado antes e não mudou o país. Mas pelo menos seria mais honesto politicamente.
Além das semelhanças siamesas entre Dilma e Serra, outro aspecto dessa campanha vem despertando minha inquietação. Os programas de TV do horário eleitoral estão apresentando um Brasil que eu não conheço. São hospitais, escolas, universidades, estradas, postos de saúde, remédios para todos, geração de empregos, distribuição de renda, salário digno, construção de moradias etc, etc, etc. Tudo funcionando na mais tranqüila e absoluta perfeição. Como assim?! Transformaram o Brasil num país escandinavo e ninguém me disse nada?! Quer dizer que o Haiti não é mais aqui? Agora é a Noruega que é aqui?! Onde estão as favelas e os 52 milhões de brasileiros que vivem abaixo da linha da pobreza? E as 40 mil crianças que morrem de fome todos os anos? E os mais de 8 milhões de desempregados? Para onde foi todo mundo? Para onde foram os mais de 14 milhões de analfabetos? E os baixos salários? O que fizeram com as filas e as macas nos corredores dos hospitais? E a falta de merenda nas escolas? Onde cargas d’água enfiaram a metade da população brasileira que vive sem tratamento de esgoto? Não há mais pobres nesse lugar? Nem miseráveis? Que país é esse?!
Instigado pelo instinto da investigação jornalística, decidi ir às ruas para ver de perto se o Brasil havia mesmo se transformado na Noruega. Mas nem foi preciso ir muito longe. Bastou dar uma volta no bairro e alguns telefonemas para retornar ao subdesenvolvimento e à tragédia social. Nas proximidades de onde moro, a realidade não havia mudado. As escolas caindo aos pedaços, os postos de saúde sem médicos, o esgoto a céu aberto. Estava tudo lá, do jeito que os brasileiros conhecem. Até o Google Earth eu usei para confirmar se as favelas ainda estavam no mesmo lugar. É claro que estavam. Só senti falta mesmo das condições dignas de vida, que continuam tão distantes quanto a Noruega. Pelo telefone, fontes seguras me informaram que a situação permanecia a mesma em todas as regiões do país. Mamãe, por exemplo, que mora em Maceió, me ligou pedindo dinheiro, já que o salário sempre acaba antes do fim do mês.
O Brasil mostrado nos programas de TV de Dilma e Serra não existe. Aquilo só pode ser Hollywood. Eu não ficaria surpreso se depois das eleições descobrissem que todas as cenas foram gravadas em estúdios da Warner Brothers e que os marqueteiros do PT e do PSDB foram assessorados pelo James Cameron. Efeitos especiais não faltam.
Fonte: http://ascronicasdojoao.blogspot.com/
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