quinta-feira, 22 de julho de 2010

A violência dentro de casa



(foto acima:>>>>>> Mércia Nakashima)


Por>>>>>> Mirian Ribeiro

Nas últimas semanas, a morte violenta de duas mulheres (Mércia Nakashima e Eliza Samudio) ocupou o noticiário nacional, dando destaque a uma situação muito mais comum do que se supõe no país. Um estudo organizado pelo Instituto Zangari aponta que dez mulheres foram assassinadas por dia no Brasil em um período de dez anos.

Semanalmente, de cinco a seis mulheres procuram a Unidade Especializada de Assistência Social à Mulher e à Família, vinculada à Secretaria de Assistência Social de Santos, que presta atendimento às vítimas de violência doméstica. São mulheres de diferentes idades, classes sociais, graus de escolaridade, mas que têm em comum o convívio diário com a violência dentro da própria casa.


(foto acima:>>>>>>> Eliza Samudio)

As que chegam à unidade atingiram o limite do suportável, mesmo para quem tem a autoestima e a capacidade de reagir corroídas pelas agressões físicas e morais continuadas. Algumas correm risco de vida e, neste caso, são isoladas, com seus filhos, por até seis meses em casa-abrigo da Prefeitura, cujo endereço é mantido em segredo até para as autoridades policiais.

Mas, antes de chegar a uma situação extrema, houve muita agressão, compaixão, perdão, tentativas, que vão minando a integridade emocional e moral da mulher, a ponto de muitas não terem força de sequer procurar os serviços de ajuda. "É uma relação complementar, doentia. A mulher fica na expectativa de que o companheiro mude. Ela tem que perceber que ele não vai mudar enquanto ela não mudar. É ela que tem que se respeitar", enfatiza a psicóloga Cláudia Cristina da Silva Gonçalves, chefe da unidade especializada.

Cláudia lembra que tudo começa com atitudes que costumam ser relevadas, como um xingamento, mas que têm a tendência de ir crescendo em proporção e agressividade. Ela lembra do caso de uma mulher que ficou 16 anos apanhando até decidir procurar ajuda e outra que chegou com o rosto cortado por uma mordida, mas desculpou o marido.

As mulheres são encaminhadas à unidade, que existe há 10 anos, pela Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) ou outros serviços. Algumas se apresentam voluntariamente. A partir daí, elas são acompanhadas com atendimento individual semanal ou quinzenal, visitas domiciliares e recebem assistência psicológica, assistencial e jurídica (para tratar da separação, pensão alimentícia, guarda dos filhos, medida cautelar para manter o agressor afastado, exame no IML se for o caso, entre outras providências). "O objetivo é romper o ciclo violência", diz a psicóloga.

Se houver risco de vida, a mulher e os filhos são colocados na casa-abrigo (há duas solicitações semanais). Lá, elas só podem sair para ir ao advogado ou ao médico, sempre na companhia de um funcionário. Depois de deixarem o abrigo, são visitadas em suas casas por até 6 meses.

Cláudia conta que o agressor costuma ficar assustado quando a mulher toma a iniciativa de procurar ajuda. "Ele pode ir preso pela Lei Maria da Penha e sabe disso. Quando a gente interfere, eles são agressivos inicialmente, mas depois até pedem ajuda".

Serviço - A Unidade Especializada de Assistência Social à Mulher e à Família funciona na avenida Presidente Wilson 143, 2º andar, Santos, tel. 3221-8525.

Cumpra-se a lei

Presidente da Comissão Permanente da Mulher da Câmara de Santos, a vereadora Cassandra Maroni (PT) cobra um maior respeito à Lei Maria da Penha como forma de combater a violência que classifica de "epidemia no país, especialmente no ambiente doméstico". Em sua opinião, está faltando o "cumpra-se a lei. Falta o aparato previsto na legislação e que a vizinhança leve a sério colocar a colher na briga de marido e mulher, denunciando, chamando a polícia".

A comissão trabalha para o fortalecimento da ação conjunta dos órgãos, como articuladora da política de enfrentamento da violência doméstica. "É preciso também trabalhar o homem agressor. Existe uma formação muito forte de que o homem ainda encara a mulher como extensão de si. A mulher avançou muito nos últimos anos, usa o direito de fazer suas escolhas, mas continua sendo criada nesta sociedade que introjecta a dominação". Ela reconhece também a existência de um outro modelo masculino, solidário, companheiro.

Lei prevê punição rigorosa

A Lei Maria da Penha cria mecanismos para coibir a violência doméstica contra a mulher e estipula a criação dos juizados especiais para esse fim, além de alterar o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal, a fim de penalizar rigorosamente o agressor.

A lei especifica as formas da violência doméstica contra a mulher, como sendo física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. Estão previstas inéditas medidas de proteção para a mulher que corre risco de vida, como o afastamento do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação junto à mulher agredida e aos filhos.

No caso de Eliza Samudio, a própria Maria da Penha - ela própria vítima de violência que a deixou paraplégica - fez críticas públicas à demora na aplicação da lei. Eliza tinha sido agredida em outubro, obrigada a tomar remédio para abortar e colhido urina para exame. O material somente foi analisado nove meses depois, quando surgiram as notícias de seu desaparecimento. "Providências tinham que ter sido tomadas no caso dessa mulher. Aguardaram que ela desaparecesse para fazer alguma coisa", disse ela.

Segundo Maria da Penha, um dos maiores obstáculos da violência doméstica contra mulheres é que ela passa pelo que chama de "ciclo da violência". Isso significa que, a partir do momento em que a mulher faz a denúncia, o agressor modifica seu comportamento até que a queixa seja retirada. Mas a agressão volta a ocorrer em um outro momento. "O homem agride, pede desculpas, presenteia e volta a agredir. O juiz tem que entender esse lado e evitar que a mulher seja assassinada. Uma mulher, quando chega à delegacia, é vítima de violência há muito tempo e já chegou ao limite. A falha não é na lei, é na estrutura".

Costela de Adão

A psicóloga e terapeuta sexual Márcia Atik Márcia aposta na prevenção para mudar o padrão cultural ainda predominante. "A prevenção deve vir através da educação sexual e da autoestima. Mesmo com toda a emancipação feminina, ainda há uma predisposição de supervalorizar o macho, de entrar em uma relação em situação de inferioridade. Mesmo que não ocorra a agressão física, sempre há uma subjugação. Ainda tem uma cultura do século passado que a mulher existe para satisfazer a necessidade masculina. Assim, ela se permite ser achacada física e emocionalmente".

Márcia Atik alerta para os primeiros sinais de uma personalidade dominadora e violenta, que sempre aparecem no início da relação. "Na medida que não respeita a individualidade do outro é o primeiro sinal. Todas as histórias tiveram um começo. Em quase todos os crimes em nome do amor ou da paixão, não houve a surpresa do primeiro episódio de agressividade. Na sua maioria eram relações pontuadas por pequenos, médios ou grandes gestos de agressividade. A mulher fica acuada, tolhida nos movimentos, percebe o que acontece, mas tende a não valorizar sua infelicidade em nome de ser aceita por ele. É um sentimento histórico de desvalia. Ainda existe a ideia de que uma mulher sem homem não foi escolhida".

Sinais sutis

A psicóloga recomenda ter atenção às mensagens sutis e diversas formas de agressividade que permeiam as relações neuróticas: o controle excessivo sobre o outro; a necessidade de se sentir poderoso ou poderosa com o propósito de dominar o outro; controlar desde o sono às refeições, chegando às relações pessoais com reivindicações de poder total sobre os pensamentos e sentimentos nessa busca insana.

E encoraja a vítima de violência a não esconder, negar por vergonha e, pior de tudo, esquecer em troca de um pedido de desculpas o desrespeito absurdo da agressão, em nome da ´qualidade´ de uma relação. "A agressão mina as forças, como o amor próprio e a autoconfiança. Dessa forma é comum que progressivamente haja um afastamento de tudo o que é significativo e importante, gerando uma total dependência".

Márcia Atik avisa: "quem apaixona, desapaixona. Se não perceber cumplicidade, crescimento, troca, não deve alimentar a relação. A impressão romântica que o amor vai salvar é falsa. Na paixão, no deslumbramento, temos a tendência de nos misturarmos, não termos distanciamento, e a mulher precisa ter frieza de analisar a situação, buscar sua porção racional".

Fonte:http://www.jornaldaorla.com.br

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