sábado, 11 de dezembro de 2010
Abandonado pela justiça
Sem dinheiro e sem assistência, comerciante que acusou juiz no Maranhão deixa Programa de Proteção a testemunhas, denuncia desvio de dinheiro público e volta à sua casa, mesmo correndo risco de morrer
Claudio Dantas Sequeira
ESPERANÇA
Francisco Leal acreditou que
poderia iniciar uma nova vida longe do Maranhão
O comerciante Francisco Pedro dos Reis Leal entrou para o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita) após denunciar um poderoso esquema de grilagem de terras no município de Barreirinhas, no Maranhão. As investigações, reveladas por ISTOÉ em agosto, levaram ao indiciamento do juiz Fernando Barbosa de Oliveira Júnior, que acabou aposentado compulsoriamente pelo Tribunal de Justiça do Estado. Com sua pensão garantida, o magistrado leva uma vida confortável e desfruta das propriedades obtidas ilegalmente. Já Leal vive uma rotina de penúria. As ameaças de morte obrigaram o comerciante e a família a abandonarem às pressas a cidade, bens e amigos. Depois de semanas peregrinando entre hotéis e pousadas baratas, foram enviados a uma favela da periferia de Manaus, no Amazonas. A expectativa de uma vida tranquila se desfez em sete meses. Desempregado, com problemas de saúde e dividindo um barraco com ratos, Leal decidiu fazer outra denúncia: desta vez contra o serviço e as pessoas que deveriam protegê-lo. “Estou cansado de ser tratado como um animal. Prefiro ser assassinado em Barreirinhas a morrer aqui nessa agonia”, desabafa.
“Estou cansado de ser tratado como um animal. Prefiro
ser assassinado em Barreirinhas a morrer aqui nessa agonia”
Francisco Leal, comerciante
O drama de Leal começou em 20 de maio, dia em que entrou oficialmente para o Provita do Maranhão. Ele e a família se mudaram então sete vezes. Passaram por quartos de hotéis e pousadas. Em alguns locais, estiveram por três dias, em outros quase um mês. Moraram até numa casa em obras. “Meus filhos ficaram doentes de tanto respirar poeira de cimento”, afirma Leal. Só em agosto foram definitivamente abrigados numa casa de alvenaria do bairro Monte Sinai, violento subúrbio de Manaus. Uma residência com paredes rachadas, sem caixa d’água e com o esgoto ao ar livre. “Quando chove, a água da fossa invade a casa”, diz o comerciante, que não consegue sustentar a família com os R$ 840 que recebe mensalmente do programa. “Os dias 17 e 18 de novembro foram os piores da minha vida. Precisei comprar remédio para meus filhos que estavam doentes, mas não tinha dinheiro”, diz Leal.
Tantas dificuldades fizeram com que Leal quebrasse uma das regras fundamentais do Provita: a incomunicabilidade. O risco de uma expulsão não o preocupa. “Pedi meu desligamento do programa a partir do dia 18”, diz. O comerciante, 46 anos, comprou um celular e, às escondidas, telefona para seu advogado, um irmão e o repórter de ISTOÉ. Para comprovar o que diz, ele apresenta cartas, cópias de faturas, receitas médicas e fotos da casa onde vive. ISTOÉ encaminhou o material à OAB e pediu explicações à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, que repassa o dinheiro para ONGs executoras em todo o País. No Amazonas, o órgão operacional do Provita é a Fundação Desembargador Paulo Feitoza, um centro de produção de software sem histórico na área de direitos humanos. A reportagem tentou contato com a instituição, mas não obteve resposta. O presidente nacional da OAB, Ophir Cavalcante, critica a terceirização. “Esse modelo precisa ser revisto. Muitas dessas entidades não têm estrutura adequada nem o profissionalismo exigido, como ocorre nos Estados Unidos”, diz Cavalcante.
DECEPÇÃO
A família Leal recebe R$ 840 por mês e vive
em uma casa infestada por ratos na periferia de Manaus (AM)
Para o presidente do conselho deliberativo do Provita amazonense, procurador João Bosco Valente, o problema é a escassez de recursos. “Este ano recebemos R$ 900 mil para proteger 60 testemunhas e suas famílias”, reclama. Segundo a ONG Contas Abertas, de 2003 até 2009, foram repassados ao Provita R$ 105 milhões. Este ano, foram R$ 24 milhões até julho. Bosco diz que o programa não é “assistencialista” e que as pessoas devem estar preparadas para viver sob um restrito regime de segurança.
Pior do que a negligência é a aura de mistério que envolve o programa. No caso de Leal, parece que os funcionários contratados têm mais prerrogativas do que a pessoa protegida. “Eles usam carro com placas frias e nomes falsos”, revela. “A psicóloga chama Patrícia, a assistente social Ângela e o advogado João. São equipes diferentes, com os mesmos nomes, tanto em São Luís como em Manaus”, afirma o comerciante. Leal também lança suspeita sobre malversação do dinheiro público. “Assinei recibo de R$ 4 mil para a compra do enxoval da casa, mas a mobília e até as panelas são de segunda mão. Todo mês eu tenho que assinar recibos de mais de
R$ 2 mil, mas me entregam R$ 840. Sem falar dos R$ 5 mil em eletrodomésticos que deixei em Manaus e sumiram!”, diz.
Fonte: http://www.istoe.com.br
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